projeto

Data de início: 1998

Data de conclusão: 1998

Episódio de Conflito Ambiental: Ponte Vasco da Gama

A equipa responsável pelo estudo Episódios de Conflito Ambiental – que visa entender os processos e dinâmicas de formação da consciência e participação ambiental em alguns conflitos importantes, bem como equacionar os pressupostos e procedimentos das metodologias de Avaliação de Impacte Ambiental tendo em vista a efectividade do actual modelo – desenvolveu, ao longo dos últimos meses, um estudo acerca da travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa – a ponte Vasco da Gama.

A escolha desta obra como objecto de análise prendeu-se, sobretudo, com os seguintes factos:

1. A construção da travessia sobre o Tejo é uma das maiores obras públicas realizadas em Portugal, tendo todo o seu processo de concepção, adjudicação, construção e exploração sido envolvido em forte polémica;

2. A acesa luta desencadeada pela escolha da localização da nova ponte foi protagonizada por diferentes actores sociais com manifestações de sentido oposto na defesa de interesses contraditórios quanto à localização da ponte, tendo ao mesmo tempo despertado conflitos internos no Governo de então bem como conflitos camarários;

3. A Vasco da Gama levanta, sobretudo, questões relacionadas com o ordenamento do território que se prendem com uma possível concentração urbanística na margem sul do Tejo resultantes da melhoria das acessibilidades, com todas as consequências que uma situação deste tipo acarreta para o meio ambiente e social, na zona circundante ao desembocar da ponte;

4. Pelas suas dimensões, a ponte Vasco da Gama tem, necessariamente, fortes impactes ambientais, nomeadamente, a afectação das Salinas do Samouco, enquadradas na Reserva Natural do Estuário do Tejo, sobejamente conhecido pela riqueza da sua avifauna;

5. Pela primeira vez, as Associações de Defesa do Ambiente apresentaram queixa no Tribunal Europeu das Comunidades contra o Estado Português levando-o ao banco de réus em Bruxelas, ao mesmo tempo que conseguiram que o Estudo de Impacte Ambiental contemplasse medidas de minimização dos impactes
ambientais.

O pedido e exigência formal do parecer científico, o quadro institucional de expressão das várias posições, o modo de comunicação entre os diversos intervenientes e a população, o papel desta – por relação à “expertise”, aos decisores políticos e ao propósito destes envolverem ou afastarem os primeiros e ambos a população – para a formulação da decisão técnica, científica e política – foram problemas que se colocaram centralmente num conflito que a par de alguns outros muito recentes esteve condicionado pela relevância cruzada da questão técnico-científica e da ambiental e pela importância desta nas situações que várias correntes sociológicas têm teorizado nos últimos anos por risco e que talvez seja preferível fazê-lo também a partir dos conceitos de contingência e incerteza.

Portugal parece passar rapidamente de uma situação em que a comunidade científica não tendo um passado marcado pelo reconhecimento nem tido relevância decisiva para o suporte do sistema e coesão política (em termos de “ideologia do progresso” e institucionalidade) se encontra agora colocada na encruzilhada configurada pelas novas responsabilidades perante o poder político (o papel do parecer científico e a presença na esfera do poder) com o seu manto de pressões e seduções, as exigências e expectativas sociais que a podem fazer esquecer os seus limites, e o clima de controvérsia pública aguda que a atravessa internamente e que também a questiona nas suas consequências externamente. Os megaprojectos de engenharia e as megaestruras técnicas, nascidas da vontade e capacidade operatória tecnológica que corre a par com os seus movimentos de inovação, procura de mercados, produção de novos artefactos e insistência em soluções consabidas para o sistema de emprego (as “obras públicas”), que se multiplicam velozmente constituindo os mais avultados investimentos financeiros do país, serão o produto
inexorável de uma única opção racional possível? Qual o papel que nestas decisões jogará a articulação que se desenha entre concepções de configuração urbana, natureza e técnica? Terá algum significado relevante o conflito (também) intracientífico protagonizado por um engenheiro titular da pasta das obras públicas (Ferreira do Amaral) e um engenheiro líder de uma organização ambientalista (Joanaz de Melo, do Grupo de Estudos do Ordenamento do Território – GEOTA)?

A luta em torno da construção da Ponte Vasco da Gama, a par do dissenso suscitado pela salvaguarda ao ar livre das gravuras paleolíticas do Vale do Côa, evidencia assim a importância que o novo eixo técnica, património ambiental (e no segundo caso também cultural) e sociedade tem nas relações de poder, conflito e mobilização do Portugal contemporâneo.

Publicações associadas ao projecto:

Episódio de Conflito Ambiental – O caso da Ponte Vasco da Gama